quinta-feira, 23 de julho de 2020

Cadê meu kit?! Mais um causo de viagem - Cavalcante - GO

Te aprochega vivente! Enquanto essa tal de pandemia não se aquieta, vou te contar mais um causo de viagem desse gaúcho que mora no Rio e resolveu gastar sola na Chapada dos Veadeiros lá pelos idos de 2018.

Antes de começar a história, esclareço que perrengue só é ruim na hora em que acontece. Na verdade eles são o tempero que dá sabor à aventura. São deles que nos recordamos - e rimos - nas conversas entre amigos e são eles que mantém viva a memória dos personagens envolvidos. Não é mesmo?

E por fim, preciso informar aos que não me conhecem que ando sempre com um kit de sobrevivência na mochila e que o mesmo não é fraco não! Já salvou a mim e meus companheiros de muita enroscada, tanto em trilhas quanto no asfalto. Enfim, vamos aos fatos.

O causo da Cachoeira Rei do Prata

Os detalhes dessa trilha - verdadeiramente sensacional - estão disponíveis no artigo Trilha da Cachoeira Rei do Prata, aqui mesmo no blog, que contém informações importantes para quem deseja se aventurar por aquelas bandas. Agora o foco é o que aconteceu depois de termos realizado a trilha.

Naquele dia saímos bem cedo da pousada para percorrer um trecho de aproximadamente 60 km em estrada de chão batido, que nos levou ao ponto inicial da caminhada. Quem costuma viajar pelo interior sabe que essas picadas cobertas de costeletas acabam com qualquer veículo, por mais forte que seja, e o nosso já estava pra lá de Bagdá. 

A estrada e os veículos que protagonizaram esse causo
Os protagonistas desse causo.

Na ida foi tudo bem. Depois de aproveitarmos o dia em meio a natureza fantástica do lugar foi chegado o momento de retornar aos carros, que nos levariam a um restaurante para encerrarmos a noite.

Chegamos no estacionamento por volta das 18:30. Como eu estava na turma da frente fui o primeiro a chegar e depositar minha mochila no porta malas do carro. E, assim como eu, os demais membros da expedição foram chegando e colocando suas mochilas sobre a minha.

Foi aí que se deu a origem desse causo ...

Grupo completo, carga carregada, todos acomodados em seus respectivos assentos, hora de partir. Haviam dois carros e o primeiro saiu lépido e fagueiro. Sentado ao lado do motorista vi quando ele tentou dar a partida repetidas vezes sem sucesso. Fiquei na minha, imaginando que fosse manha de carro velho. Ledo engano! Lá pelas tantas o rapaz puxou o rádio e tentou contato com a primeira viatura:

- Fulano, na escuta? Pane elétrica no carro. Solicito ajuda.

- ...

E nada. Silêncio absoluto. O outro veículo já estava fora de alcance devido a topografia acidentada da região que bloqueava o sinal de rádio.

Aí teve início um princípio de confusão com todos descendo do carro, dando palpites, querendo ajudar e - essa é que era a verdade, loucos para saírem daquele fim de mundo.

- Fulano, me vê uma chave de fenda - ouvi o motorista dizer ao guia.

- Tá pedindo pra mim? respondeu ele e emendou: não tem no carro?

Na verdade tinha. No meu kit de emergência. Soterrado por não sei quantas mochilas e com o porta-malas trancado. 

E não era só isso. A noite começou a cair e com ela veio o frio. Era junho e lá é clima de deserto. Calor durante o dia e baixas temperaturas a noite.

Em resumo, sentíamos uma mistura de frio, fome, cansaço e frustração por não conseguir fazer aquele maldito motor funcionar.

E no meu caso particular, a frustração era dupla porque tudo que eu precisava naquele momento estava inacessível.

Depois de um tempo, que pareceu uma eternidade, chegou o primeiro carro de volta, vazio. O responsável pela excursão havia estranhado a demora e o mandara de volta adivinhando algum perrengue no caminho.

Após algumas várias tentativas, finalmente conseguiram fazer o carro pegar na base da chupeta. Por pouco não esgotaram a bateria do primeiro carro, nos condenando, talvez, a passar a noite ali.

Resumo da história: chegamos ao restaurante por volta das 21:00 horas, varados de fome! E foi assim que eu aprendi a não me separar da minha mochila sob hipótese alguma. Pelo menos também foi assim que eu pude apreciar o estrelado céu noturno do Cerrado. Acreditem, é uma visão memorável e inesquecível.

Para saber mais sobre segurança na trilha leia o artigo Gastando sola com segurança - guia básico de sobrevivência para iniciantes.

Sobre o kit

O conteúdo do kit varia em função de vários fatores, tais como o local da trilha, estação do ano, tempo de duração da empreitada, infraestrutura disponível no destino, entre outros. Entretanto, há um pequeno grupo de itens que não podem faltar e que já provaram sua utilidade em muitas ocasiões - que teriam sido bem piores se eles não estivessem comigo naquele momento.


Kit básico de sobrevivência
Núcleo duro do meu kit de sobrevivência.


A base do kit é a seguinte:
  • hidratação: cantil e purificador de água;
  • iluminação: lanterna de cabeça e de facho;
  • fogo: isqueiro e iscas para acelerar a combustão;
  • orientação: bússola;
  • cutelaria: canivete de resgate;
  • ferramentas: alicate multifuncional;
  • cordame: dois rolos com 6 m de paracord e uma pulseira do mesmo material com bússola e pederneira;
  • fixação: dois prendedores.
Além desses itens, costumo levar um kit de primeiros socorros, poncho descartável, rações de emergência e mais algumas cositas que podem ser úteis.

E antes que alguém pergunte:
  • isqueiro dá de dez a zero em pederneira, não pesa e ocupa pouquíssimo espaço. Na hora do aperto é fogo rápido e garantido;
  • porque prendedores? Pois é. Essa foi uma das coisas que a experiência me ensinou. São um recurso valioso no meio do nada. Servem até pra segurar a roupa no varal. 
Seja como for, monte o seu conjunto e não saia de casa sem ele. O tempo e os perrengues vão se encarregar de mostrar o que é essencial e o que é acessório em caso de necessidade!!