Uma vez decidido o destino e a forma de atingi-lo começaram os preparativos para a empreitada, com a contratação de uma operadora responsável pelo suporte e infraestrutura, escolha de equipamentos, corridas para aumentar o condicionamento físico e muita pesquisa na internet para saber o quê iria encontrar pelo caminho. Havia optado por fazer a Trilha Inca Curta, que é percorrida em apenas um dia, e lembro de achar estranho que, ao analisar os relatos sobre a trilha, todos se referiam ao ponto de partida como sendo o km 104 - nunca uma estação ou ponto de controle. Apenas aquele enigmático marco cravado na ferrovia.
Finalmente chegou o dia da viagem e lá fui eu cheio de expectativas. Depois de três dias de aclimatação em Cuzco devido a altitude, finalmente chegou o momento de dar início a tão desejada Trilha Inca. A operadora contratada enviou uma van que me levaria a Ollantaytambo para dali tomar o trem que segue para Águas Calientes. O motorista deu as orientações necessárias e informou que um guia estaria me aguardando na parada do trem - no quilômetro 104! Até aí tudo certo, embarquei e curti o passeio despreocupadamente.
Na estação de Ollantaytambo, durante o embarque dos passageiros, o condutor perguntava a cada um aonde iria descer e, obviamente, disse que seria no tal quilômetro 104. A viagem seguiu sem maiores incidentes e a certa altura o trem parou em meio a uma mata fechada, literalmente no meio do nada. Havíamos chegado ao ponto de início da Trilha Inca Curta. Simplesmente não havia estação, plataforma ou qualquer tipo de estrutura. A composição parou e os que iriam percorrer a trilha desceram. Simples assim.
A ferrovia que leva a Águas Calientes segue por uma zona de mata. |
Até aí tudo bem. Como vários passageiros haviam descido comigo deduzi que era ali mesmo que tinha que estar e que bastava aguardar pelo guia, conforme o combinado.
Entretanto ... Aos poucos os grupos foram se organizando em torno de seus respectivos guias e se afastando para dar início a caminhada. Eu ali esperando e nada. Olhei em volta e comecei a ficar realmente preocupado, pois estávamos num lugar ermo. O trem partira e não havia possibilidade de retorno.
No Km 104 descem aqueles que irão fazer a Trilha Inca Curta. |
Quando vi que a última leva se preparava para partir fui até o responsável pelo grupo para explicar minha situação e perguntar o quê deveria fazer. Afinal o meu guia não havia comparecido ao ponto de encontro e eu estava sozinho num lugar desconhecido. O rapaz foi muito gentil e me convidou a acompanhá-los até o Posto de Controle de Chachabamba. Segundo ele, lá eu poderia ficar aguardando e ao menos poderia contar com algum apoio dos guardas se necessário. Entretanto não poderia entrar no parque, uma vez que a presença de um guia é requisito obrigatório.
Posto de Controle de Chachabamba. |
Confesso que nesse momento comecei a ficar aflito, mas felizmente o desconforto não durou muito tempo mais. Lá pelas tantas o rapaz que me orientara apontou para uma ponte que havíamos cruzado para chegar ali e disse, meio divertido:
- Creio que aquele ali é o teu guia!
Olhei para onde ele apontava a tempo de ver alguém correndo afobado, sem se preocupar com a fragilidade daquela velha ponte de madeira. De fato era ele que, após perceber que eu não estava no ponto de encontro, vinha em desabalada carreira rumo ao Posto de Controle!
Seu nome era Richard e, conforme me contou mais tarde, no dia anterior decidira dormir num povoado próximo à ferrovia e de lá ir ao meu encontro no quilômetro 104. Infelizmente, ao deixar a aldeia fora atacado e mordido na perna por um cachorro!! O estrago havia sido considerável, mas ele fora até lá, justamente para não deixar o cliente (no caso, eu) na mão.
Realizados os procedimentos de praxe para ingressar no parque fomos tratar do ferimento, que felizmente não era assim tão grave, embora inspirasse cuidados - o cachorro cravara os dentes com vontade!! Fizemos um curativo e cogitei seriamente em cancelar a trilha, pois é preciso lembrar que além do machucado havia a questão do animal estar contaminado com o vírus da raiva. Richard insistiu dizendo que estava bem. Além disso, o fato é que não havia muito o quê fazer, uma vez que onde estávamos não havia recursos. Ou seja, para consultar um médico era preciso ir até nosso destino final: Águas Calientes, passando por Machu Picchu.
Superado o susto inicial percorremos a trilha sem maiores percalços. A dificuldade, para mim, ficou por conta da altitude. Para se ter uma ideia, o Posto de Controle de Chachabamba está a uns 2.100m acima do nível do mar e Intipunku, o ponto mais alto da trilha, a 2.700m, o que significa uma caminhada de 14km de extensão com um desnível de 600m a ser vencido num ambiente de ar rarefeito. Para superar este desafio preparo físico é fundamental, mas a atitude mental não pode ser negligenciada. Com a fadiga pode vir o desânimo e se isto ocorrer será extremamente penoso concluir a jornada.
O guia Richard, refeito e pronto para seguir em frente. |
Bom humor é fundamental
O susto foi grande, mas serviu para ensinar uma lição valiosa. Em momentos de apuro é fundamental manter a calma e o bom humor. Isso ajuda, e muito, a tomar decisões mais acertadas, mesmo quando as opções são limitadas.
No final daquele dia eu e Richard já havíamos estabelecido uma relação de convívio muito saudável, reforçada pela superação daquela dificuldade inicial e que dificilmente seria alcançada se eu me mostrasse irritado ou mesmo agressivo com o atraso. As vezes é fundamental saber se colocar no papel do outro para compreender melhor seus motivos.
Veja o álbum de fotos Trilha Inca Curta em nossa página no Facebook, clicando aqui.
Para saber mais sobre a Trilha Inca leia o post Trilha Inca Curta.
Para saber mais sobre a Trilha Inca leia o post Trilha Inca Curta.
Enfim a pose clássica com Machu Picchu ao fundo - foto de Richard Cerón. |
Blogs Participantes
Esse post integra a blogagem coletiva Perrengues de Viagem, uma iniciativa do grupo Pequenos Grandes Viajantes, do qual o GSMA faz parte !! Todo mês seus membros elegem um tema sobre o qual os participantes expõem o seu ponto de vista.Aproveite para conhecer outras histórias sobre perrengues dos demais blogs participantes:
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