quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Gastando sola com segurança - guia básico de sobrevivência para iniciantes

Recentemente estive percorrendo as trilhas da Chapada dos Veadeiros na companhia de um grupo super bacana, mas com pouca experiência nesse tipo de atividade. Como normalmente acontece nessas ocasiões o pessoal começou a pedir orientações para o "veterano" aqui e, ao final da viagem, sugeriram que escrevesse um artigo no blog com dicas práticas para quem está começando a trilhar.

Já vinha rascunhando um texto com vários apontamentos sobre o assunto, mas como hoje pela manhã recebi a notícia de que o excursionista francês que estava perdido na Travessia Petrópolis-Teresópolis foi encontrado com vida (para saber mais, clique aqui) e bem de saúde graças a seus conhecimentos, e equipamentos, de sobrevivência no ambiente natural, a mim pareceu que era uma boa hora para falar sobre isso.

Em primeiro lugar, gostaria de deixar bem claro uma percepção particular que vai um pouco contra o senso comum: a natureza não é nossa amiga! O conceito de que a mãe natureza nos protege e que os animaizinhos são nossos irmãos é um grande engodo. A vida civilizada nos cercou de tantos mecanismos de conforto e proteção que acabamos por perder a noção do que é, na verdade, viver sem ter um mercado para obter comida, torneira para fornecer água tratada, hospitais, etc.

Em segundo lugar, deixar bem claro que estar com os equipamentos corretos é apenas um terço dos recursos necessários para sobreviver no ambiente natural numa situação de emergência. Os outros dois são conhecimento e atitude mental. De nada vale estar bem equipado se a pessoa não souber utilizar os recursos que estão disponíveis ou entrar em pânico e perder a capacidade de raciocinar. Sem a menor sombra de dúvida um dos fatores que definitivamente faz a diferença entre viver ou morrer é conseguir manter a calma e focar na autopreservação até que o socorro chegue.

Dito isto, vamos a algumas dicas básicas, mas muito úteis:

Vestuário

Evite roupas de algodão, pois quando molhadas pesam e demoram a secar. Prefira camisetas tipo dry-fit por não reterem o suor, secarem rapidamente e ainda protegerem dos raios UV. Mesmo que você não seja gordinho, avalie usar cuecas elásticas com pernas, tipo bermuda, para evitar assadura nas coxas.

Percorrendo a trilha da Pedra do Sino em Teresópolis - RJ. Foto de Viviane Rosa.

Esteja atento as condições climáticas do lugar onde será realizada a atividade. Se necessário leve agasalhos para o frio e sempre tenha um poncho descartável ao seu alcance.

Quando a turma da Chapada dos Veadeiros me viu trajado para a primeira trilha, acharam no mínimo estranho o uso de dois acessórios que considero fundamentais: chapéu e lenço de pescoço. Como sou gaúcho, acharam que o lenço era alguma alusão ao meu passado gaudério!

O uso do chapéu, acredito, dispensa maiores explicações. Serve para proteger do sol, mas também dos galhos das árvores e dos insetos. Para quem fotografa, como eu, é um excelente quebra luz.

O lenço tem inúmeras utilidades, das quais destaco as seguintes:

  • no pescoço, protege a pele do sol e do atrito com a alça da câmera fotográfica;
  • na cabeça, vira bandana;
  • no rosto, proteção contra a poeira da estrada;
  • molhado, para refrescar o corpo em dias de calor;
  • limpar ou secar os equipamentos.

Calçados

Devem prover conforto e segurança, bem como serem adequados ao tipo de terreno a ser enfrentado. Pessoalmente gosto de usar botinas, principalmente em lugares pedregosos, mas essa não é uma regra imutável. Por exemplo, nas areias dos Lençóis Maranhenses o mais indicado é andar descalço ou de meias. Use o bom senso e evite usar calçados abertos, que não oferecem tração e estabilidade.

Os pés do trilheiro merecem atenção toda especial, pois é com eles que se percorre o caminho. Gaste um pouco mais com bons calçados e economize em bolhas e dores mais tarde. Outra dica é utilizar meias próprias para longas caminhadas, as quais protegem os pés do atrito com o calçado, além de mantê-los secos e aquecidos.

Mochila

O tamanho deve ser condizente com o tempo de duração da trilha. Para um dia, uma mochila entre 30 e 45 litros costuma ser o suficiente. Evite os penduricalhos. Coloque tudo dentro da mochila. Isso facilita o deslocamento em áreas de mata, previne a perda por queda e evita que os itens fiquem se batendo.

Quanto ao peso é bom levar em conta a regra dos 10%: o peso total da mochila não deve ultrapassar 10% do peso corporal de quem a transporta. Entenda que nem por isso se atocha coisas de utilidade duvidosa até completar esse percentual.

Respeitado o limite máximo pessoal, a regra é levar o mínimo, sempre! Já vi muita gente se queixando do peso por terem colocado itens que pesavam apenas 200 grama. Acontece que 5 itens de 200 grama formam 01 quilo e essa carga vai apresentar sua conta lá adiante, quando não há como remover o excesso de bagagem.

Comportamento na trilha

Atenção redobrada ao caminho que está sendo percorrido, mesmo que você esteja acompanhado de um guia experiente. Tenha em mente que errar é humano e mesmo o guia pode se perder. Memorizar pontos de referência pode ser particularmente útil para se orientar em situações de emergência. Atenção redobrada nas bifurcações. Olhe sempre aonde pisa e não saia da trilha, pois este é o ponto de referência inicial que a equipe de resgate vai utilizar para localizar você.

Estar atento a sinalização é fundamental.

Hidratação

Nunca beba água sem tratamento, por mais límpida que ela pareça ser e apesar do seu guia fazer isso e afirmar que não há perigo. Há perigo sim. Não há como saber se a água está contaminada ou não. Para tratar a água leve sempre consigo pastilhas para purificação e tenha muito cuidado ao escolher a fonte utilizada na captação.

Segurança

Grupos de trilha normalmente são heterogêneos, frequentemente formados pela contratação de um pacote numa agência de turismo. Apesar do clima de cordialidade e cooperação que costuma unir os membros durante o passeio, tenha sempre em mente que nem todos são seus amigos. Recentemente uma montanhista teve os tênis e meias roubados no abrigo do Açu, em Petrópolis, e só pode seguir em frente graças a solidariedade dos colegas que lhe emprestaram sandálias para quebrar o galho. Além disso, trilhas podem ser utilizadas por bandidos, como ocorre comumente aqui no Rio de Janeiro.

Essencial

Decidir o quê é realmente essencial para levar numa trilha depende muito do perfil do aventureiro. No meu caso, ao partir para uma aventura levo sempre um apito - para sinalizar a posição sem precisar gritar -, canivete, paracord, kit primeiros socorros, isqueiro com iscas para fogo, lanterna e pilhas sobressalentes, tudo devidamente protegido em um saco estanque.

Pulseiras de paracord, com 3 m de corda, apito, bússola e pederneira embutidos no fecho.

A seguir uma lista mais completa, que pode ser utilizada como referência:
  • 1 lanterna pequena com pilhas adicionais;
  • 1 canivete;
  • 1 isqueiro*;
  • 3 iscas para fogo**;
  • 10m de paracord***;
  • Agulha, linha e alguns botões de tamanhos variados;
  • 1 atadura elástica;
  • 1 álcool gel para higienizar as mãos;
  • 1 sabonete pequeno;
  • 1 cartela de purificadores de água;
  • 1 antisséptico tópico tipo mertiolate;
  • 1 pacote de gazes para curativo;
  • 1 atadura de crepom;
  • 1 rolo de esparadrapo;
  • 10 curativos adesivos tipo band-aid;
  • 1 par de luvas cirúrgicas;
Observações:
* - o uso do isqueiro deve se restringir as áreas onde é permitido fazer fogo. No caso de emergências, pode ser utilizado para sinalizar sua posição com fumaça;
** - há vários tipos, mas preferimos aquelas feitas com algodão e parafina de vela derretida. Queimam com facilidade e são fáceis de transportar;
*** - cordame leve e resistente, muito utilizado por campistas graças a sua versatilidade.

Por último e não menos importante: esportes ao ar livre estão sujeitos a certos riscos e percorrer trilhas não foge a essa regra. Entretanto, isso não é motivo para se trancar em casa e acabar tendo outros tipos de problemas. O importante é praticar suas atividades de forma consciente, sem expor a si e aos outros a perigos desnecessários. E acima de tudo, é fundamental estar sempre preparado com equipamento adequado, conhecimento e atitude mental positiva!


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