A jornada até Varre Vento e outras peripécias que aconteceram nesta aventura serão contadas oportunamente em outras postagens. Desta vez quero apenas compartilhar uma lição que aprendi e que demonstra o quanto estamos distantes da realidade das pessoas que habitam aquela região.
Uma casa em Varre Vento
Ao chegar, fomos muito bem recebidos pelo dono da casa e sua família. Em pouco tempo estávamos à vontade e conversando como velhos conhecidos. Durante a conversa fiquei sabendo que as terras onde estávamos haviam ficado submersas até poucos dias atrás e que, portanto, ainda não havia sido providenciado uma horta. De fato a casa, apesar de ser construída no estilo palafita, ainda apresentava sinas da passagem da água e a única "plantação" que havia era um pequeno canteiro improvisado numa velha canoa cheia de terra, montada sobre um jirau, onde recém despontavam algumas folhinhas. Posteriormente verifiquei que este é um recurso comum na região como forma de manter os canteiros protegidos tanto da água quanto dos bichos domésticos que andam livremente pelo quintal.
No igarapé. |
Lá pelas tantas o dono da casa veio me dizer que um dos meninos (agregado) iria sair para pescar e perguntou se eu não queria ir junto. Segundo ele, haviam muitos convidados e era preciso reforçar a despensa para alimentar o povo, uma vez que na janta seria servido uma caldeirada de peixe! Sempre fui bom de garfo e jamais rejeitei um convite para jantar, ainda mais quando o cardápio inclui este prato típico que aprendi a apreciar em diversos restaurantes das grandes cidades litorâneas. Confesso que estranhei um pouco o fato de ter que buscar o peixe na água, pois normalmente eu pescava meus peixes numa peixaria. Mas com o Amazonas em frente e um imenso igarapé nos fundos, a ideia até que fazia sentido.
A pescaria
Hora de lançar a malhadeira. |
E lá fomos nós, três pescadores e um fotógrafo a deitar as malhadeiras em meio aquela paisagem fascinante (para mim, por certo) e um tanto selvagem. Na primeira puxada de rede constatei que o igarapé era habitado por piranhas, que atacaram alguns dos peixes que haviam ficado presos - ou seja - cair na água, nem pensar. Um pouco mais tarde um jacaré atacou uma das redes em busca de comida, causando enorme estardalhaço na água e um belo rombo na malha. O interessante é que o único que achava aquilo novidade era eu. Meus companheiros de pesca encaravam com serena naturalidade todos estes acontecimentos. Inclusive um deles se pôs a pescar piranhas com anzol, pois, segundo ele, "as bichinhas dão um belo ensopado". Deu trabalho e foi cansativo, mas valeu a pena. Além de uma boa quantidade de peixes consegui tirar muitas fotos, as quais vou postando de tempos em tempos no nosso perfil no Instagram (@gastandosola) sob a hashtag #varrevento.
Peixe atacado por piranha. |
Piranha vermelha, muito comum na região. |
Tá na mesa!
De volta à casa, hora de tratar os peixes e prepará-los para a panela. Mas antes disso, foi preciso ligar a bomba para puxar água do rio e abastecer a caixa d'água, pois água encanada é um luxo que por lá não existe.
Por fim o jantar! E lá vou eu rumo à mesa pensando numa moqueca estilo baiana, com tudo dentro. Mas a realidade é um pouco diferente e o que encontro é um caldo ralo, feito apenas com os peixes e alguns temperos. Para acompanhar, farinha e um ou outro complemento que havíamos trazido de Manaus.
Tratando os peixes para a caldeirada. |
Foi aí que caiu a ficha, como se dizia no meu tempo. Estas pessoas moram no meio do nada. O posto comercial mais próximo está a duas horas de rabeta. A enchente levou tudo, é preciso plantar novamente para se ter o quê comer. Enquanto a roça não produz, resta a pesca ou a caça. Parei e olhei em volta. O pessoal animado contava histórias e se divertia, servindo-se do que havia sido posto sem a menor cerimônia. O diferente ali era eu, que só naquele momento começava a perceber a realidade a minha volta. A fome era grande. Servi uma porção generosa de peixe e farinha e comecei a comer devagar, ouvindo a história de como o menino que nos levara na pescaria tinha conseguido aquela cicatriz de mordida de jacaré na perna. Em silêncio, agradeci pela oportunidade de estar ali. Quanto a caldeirada, é preciso dizer que estava uma delícia!
Veja também estes outros posts sobre o Amazonas:
- Expedição Amazonas: a primeira viagem e as primeiras impressões;
- Catedral de Nossa Senhora da Conceição: um pouco da história da igreja matriz de Manaus;
- Uma aventura inesperada: relato de uma experiência onde deu tudo errado e foi bom demias;
- Flutuante dos botos: a conclusão da aventura;
- O estranho caso da velha que explodiu: história contada pelo povo de Manaus - incluí um glossário manauara;
- De Manaus a Varre Vento de barco pelo rio Amazonas: relato da viagem de barco que nos levou à floresta amazônica - e trouxe de volta!
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