quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

De Manaus a Varre Vento de barco pelo Rio Amazonas - Varre Vento - AM

Quem acompanha nossas gastanças de sola sabe que esta não foi a primeira vez que estivemos no Amazonas. De outra feita aproveitamos a estada para conhecer Manaus e arredores, mas desta vez o objetivo era maior: ir para o interior para conhecer a floresta amazônica e seus habitantes.

Em Manaus ficamos hospedados na casa de parentes, com os quais já havíamos previamente combinado uma visita a um dos membros da família que ainda vive numa área rural às margens do Rio Amazonas. Uma vez que não há estradas na região, o único meio de chegar até lá é de barco, os famosos "motores" que transportam de tudo e desempenham um importante papel abastecendo e escoando a produção local das comunidades ribeirinhas.

Na noite anterior à viagem, depois de empacotar o equipamento, nos reunimos no pátio da casa para um bate papo antes de dormir. Nossos anfitriões estavam animados e emendavam história atrás de história sobre o Varre Vento, local de nascimento de boa parte dos presentes na ocasião.

No dia seguinte, as 06:00 estávamos de pé naquele frenesi que antecede uma grande aventura. As informações eram um pouco confusas. Para alguns o motor partia às 07:00, para outros, às 11:00. Por fim chegaram os carros que nos levariam ao porto, onde embarcamos por volta das 08:00 para zarpar às 09:00.

J. Cândido, o motor que nos conduziu nesta aventura.

Estava conosco Tia Zefa, matriarca da família e personalidade muito querida por todos devido a suas habilidades na arte da cura. Assim, conseguir lugar no imponente J. Cândido não foi problema, sendo que para ela o capitão, e dono do barco, nem cobrou a passagem. Pelo que pude apurar, há alguns anos Tia Zefa livrou um de seus filhos de uma doença braba e esta era sua forma de demonstrar gratidão pelo fato.

Vendedor circula entre os passageiros momentos antes do barco zarpar.

Enquanto aguardávamos a bordo pude notar que as viagens de barco possuem um forte impacto na economia local, sendo que os viajantes contam com uma infra-estrutura de apoio realmente impressionante. A começar pelos carregadores que oferecem seus serviços tanto para levar as bagagens dos que partem como descarregar as dos que chegam. E é bom lembrar que bagagem por aqui pode ser qualquer coisa, inclusive fardos de farinha, pirarucu salgado e por ai vai. Depois tem as barracas de lanches rápidos, comuns em todo o território nacional, e as que fornecem quentinhas para viagem! - muito úteis caso o passageiro não queira encarar o serviço de bordo. E há também os fornecedores de suprimentos diversos: redes de pesca, ferramentas agrícolas, azagaias, arpões, redes para deitar, cordas para atar as redes, sacas de mantimentos, etc.

No balanço da rede


Para quem nunca viajou num motor, é bom que se diga que não há bancos, poltronas ou cadeiras. Na área destinada aos passageiros, no teto, há ripas de madeira atravessando de ponta a ponta para que se possa pendurar as redes. No início é um pouco estranho, mas aos poucos a gente se acostuma e tudo passa a ser natural. Neste dia tivemos sorte, pois chegamos cedo e o barco foi relativamente vazio, de modo que foi fácil acomodar nossas redes próximas umas das outras.

Tia Zefa em sua rede.

Durante o trajeto não há muito o que fazer, a não ser curtir a paisagem, dormir ou jogar conversa fora. Na parte superior havia uma lanchonete onde era possível adquirir água mineral, refrigerantes, cervejas e lanches rápidos. Também havia mesas e cadeiras, dessas que se encontra em qualquer boteco Brasil afora. Uma brisa boa, que amenizava o forte calor manauara, era um convite a ficar por ali enquanto aos poucos a cidade ia ficando para para trás. A presença humana foi ficando cada vez menos evidente com a mata sendo pontilhada por pequenos flutuantes ancorados nas margens, algumas povoações e nada mais. Na água, barcos de todos os tipos e tamanhos, provando que o rio é de fato o meio de ligação daquela gente com a civilização.

O desembarque


Passadas quatro horas vieram nos avisar que estávamos nos aproximando do destino. Me juntei ao grupo que havia ficado no convés inferior - e que conhecia a localização da casa onde íamos ficar hospedados - para perguntar onde exatamente iríamos descer. "Ali naquela curva", foi a resposta. Fixei o olhar em busca de um pier ou atracadouro e só havia água e barranco. Foi quando descobri que o desembarque seria feito no meio do rio com o barco em movimento!

Hora do desembarque.

Essa é uma prática comum neste tipo de viagem e todos por ali estavam acostumados. Evita perda de tempo, uma vez que a embarcação não precisa atracar / desatracar e economiza o combustível que seria gasto nas manobras. Para chegar à terra seria utilizada uma lancha rápida que segue atada ao barco. Rapidamente transferimos a bagagem e nos acomodamos na pequena embarcação. Além do nosso grupo, haviam outros passageiros e diversas mercadorias - encomendas de moradores.


Lá se vai a voadora distribuir o pessoal.

Como o acesso à cidade é difícil, muitos ribeirinhos encomendam os suprimentos, que por sua vez são enviados via barco. As formas de realizar as encomendas variam conforme as possibilidades: um conhecido ou parente que vai a Manaus, passar um rádio aos barcos que cruzam ou, com sorte, ligar para alguém via celular. Uma vez feita as compras, basta levar até o capitão e avisar que é para fulano em tal lugar.

Suprimentos entregues aos moradores.

Uma vez entregue as encomendas e desembarcado outro passageiro, chegou a nossa vez. Nisso o piloto pergunta aonde gostaríamos de descer e a resposta vem pronta: "Ali, no terceiro tronco!" Na hora achei engraçado, mas pensando bem, que melhor ponto de referência num lugar em que não há ruas nem número nas casas e muito menos CEP?

Nossa casa em Varre Vento.

Ficamos alguns dias em Varre Vento, tempo suficiente para viver aventuras memoráveis e aprender muito com aquele povo simples que nos recebeu de braços abertos. Há alguns dias publicamos o relato de uma destas experiências no post Causos de viagem : a caldeirada de peixe - Varre Vento - AM. Também tivemos oportunidade de tirar muitas fotos em locais incríveis e você pode conferir o resultado no álbum Varre Vento em nossa página no Facebook.

Hora de voltar


O retorno a Manaus foi tranquilo e dentro do esperado. O dono da casa passou um rádio avisando que haveria passageiros aguardando e o barco enviou uma lancha para recolher o pessoal. No caminho uma surpresa: a piracema havia começado e, literalmente, atravessamos um cardume que subia o rio em saltos que passavam acima de nossas cabeças!

Desta vez era um barco bem menor que o J. Cândido e já estava lotado quando subimos a bordo, o que gerou uma certa dificuldade para acomodar as redes. Era noite e a maioria já estava deitada, pronta para dormir - o trajeto da volta levou oito horas ...

Alguns poucos ainda ficaram nas cadeiras contemplando as estrelas e jogando conversa fora. Lá pelas tantas o capitão subiu para perguntar se alguém gostaria de jogar dominó com a tripulação. Resolvi descer para conhecer a embarcação e lá estavam eles atracados no jogo. Ocupando o espaço disponível caixas e caixas térmicas com peixes destinados à venda nos diversos mercados da Capital. O frete ajuda a custear a viagem e é a única forma de escoamento da produção à disposição dos pequenos produtores rurais.

Hora do lazer a bordo.

Vencidos pelo cansaço, voltamos para as redes para um merecido descanso. Despertamos já em Manaus, no porto da Feira da PanAir, em plena madrugada.

Porto de Manaus na madrugada.

Não há muitos relatos sobre viagem de barco pelo Amazonas, por isso sugerimos a leitura do post da Vaneza Com Z: Amazonas: viagem de barco recreio pelo Rio Negro.

Você também pode estar interessado nos relatos de nossa primeira viagem ao Amazonas:

Um comentário:

  1. Interessante. A família da minha mãe tem origem na comunidade que fica exatamente de frente pro Varre-vento, chamada de Ilha do Januário.

    ResponderExcluir