Todos os caminhos levam a Cuzco
O alto nível de organização demonstrado pelos Incas explica, ao menos em parte, a grandeza e a força de seu império. Além de guerreiros, os Filhos do Sol eram também agricultores, artesãos, mercadores e construtores de primeira linha. Ergueram cidades e centros de produção agrícola em espaços conquistados a duras penas às montanhas, em locais que mesmo hoje seriam considerados inacessíveis.
Para conectar Cuzco, a capital do império, com as diversas localidades espalhadas por boa parte da América do Sul, teceram uma malha de estradas com mais de 30.000 km. Ou seja, os caminhos incas não se restringiram apenas ao Peru, abrangendo países como Argentina, Equador, Chile e Brasil. Boa parte destas vias de comunicação existem até hoje e alguns trechos tem sido utilizados para prática de trilhas. É o caso dos caminhos que levam à Machu Picchu.
A Trilha Inca
É um dos trechos remanescentes do antigo caminho que ligava Cuzco à Machu Picchu, ainda com calçamento de pedras original cobrindo boa parte de seu leito. Pode ser considerado uma das rotas de trilha mais famosas que existem, atraindo trilheiros de diversas partes do mundo, tanto pelo desafio da altitude quanto pelas belas paisagens e sítios arqueológicos que se avista no decorrer do percurso. É importante saber que os conquistadores espanhóis não passaram para o lado esquerdo do rio Urubamba, de modo que os vestígios incas nesta região escaparam da destruição que vitimou outras localidades e encontram-se muito bem conservados. Este fato histórico também explica porque Machu Picchu chegou até nossos dias tão bem preservada.
Há duas opções de Trilha Inca:
- Trilha Inca Curta: inicia no quilômetro 104 da ferrovia que liga Cuzco a Águas Calientes e dura dois dias. A extensão é de 14 km e a altitude máxima é de 2700m. O pernoite é feito em hotel, na cidade de Águas Calientes;
- Trilha Inca ou Trilha Longa: inicia no quilômetro 82 da mesma ferrovia e dura quatro dias. Sua extensão é de 40 km, sendo que a altitude máxima chega a 4200m e os pernoites são feitos em barracas.
Desta vez o Gastando Sola Mundo Afora foi conferir como é a Trilha Curta e já podemos adiantar que não faltaram emoções nesta jornada. Isto sem falar que retornamos ao Brasil planejando voltar ao Peru para a Trilha Longa.
Um susto no km 104
Enquanto me preparava para a viagem ao Peru e lia sobre a Trilha, estranhava o fato de todos dizerem que ela começa no km 104 e nunca citarem uma estação ou ponto de controle.Quando o trem parou no meio do nada e o condutor anunciou que aquele era o famoso km 104 tive minha resposta. Não há estação ou qualquer outro tipo de estrutura. O trem simplesmente para e os que irão realizar a trilha descem.
Km 104 - aqui tem início a Trilha Inca Curta. |
Havia combinado com a agência que encontraria meu guia neste ponto para dali darmos início a caminhada, mas não foi o que aconteceu. Aos poucos os grupos foram se organizando e seguindo em frente e nada do guia aparecer. Preocupado perguntei a um dos guias presentes no local como deveria proceder, pois estava sozinho. Seguindo sua orientação, fui com o grupo até o Posto de Controle de Chachabamba. Pelo visto é relativamente comum ocorrer este tipo de problema e o melhor é aguardar no posto, uma vez que é proibida a trilha desacompanhada de guia.
Felizmente o desconforto não durou muito tempo. Com um sorriso maroto o jovem que me orientara apontou para um rapaz que vinha correndo pela ponte pênsil e disse:
- Creio que aquele lá é o teu guia!
Feitas as apresentações, fico sabendo que Richard, o guia, fora atacado e mordido na perna por um cachorro. De início pensei em cancelar a trilha, mas ele insiste dizendo que não há problema. E na verdade não há muito o quê fazer mesmo. Para consultar um médico será necessário ir até Águas Calientes de qualquer forma.
Caminhando nas alturas
O caminho segue as curvas de nível da montanha. |
A trilha em si não apresenta maiores dificuldades. O caminho é estreito na maior parte do tempo, mas bastante regular e desimpedido - afinal, esta era uma estrada para uso rotineiro e não poderia ser diferente.
A dificuldade fica por conta da altitude. O Posto de Controle de Chachabamba está a uns 2100m e Intipunku, o ponto mais alto, a 2700m acima do nível do mar, o que significa uma rampa de 14km de extensão com um desnível de 600m a ser vencido num ambiente de ar rarefeito. Para superar este desafio preparo físico é fundamental, mas a atitude mental não pode ser negligenciada. Com a fadiga pode vir o desânimo e se isto ocorrer será extremamente penoso concluir a jornada.
Ao longo do caminho há abrigos onde se pode fazer paradas técnicas para organizar o equipamento, reidratar e realizar lanches rápidos. É proibido comer ao longo da trilha, principalmente nos sítios arqueológicos, e também não se pode deixar nada para trás. Todo o lixo produzido deve ser levado para ser descartado no Posto de Controle de Machu Picchu.
Felizmente a paisagem ao redor se encarregava de nos distrair e motivar para seguir adiante. Neste dia o tempo estava firme e a temperatura amena, o que também favoreceu o sucesso da empreitada. Com algumas horas de marcha atingimos o sítio arqueológico de Wiñay Wayna, um impressionante centro de produção agrícola constituído por terraços que ocupam boa parte da montanha. Era daqui que os Incas tiravam o sustento da terra, aproveitando cada centímetro da encosta graças a esta admirável obra de engenharia.
Enquanto descansava, também aproveitava para mascar algumas folhas de coca adquiridas na visita que fiz ao Mercado de San Pedro, uns dias antes. Estas folhas são consideradas medicinais e utilizadas diariamente pela população local. Seu efeito é imediato e são muito eficazes contra o soroche, o mal das alturas.
Na saída do setor de acampamentos fica o Posto de Controle de Wiñay Wayna, última parada antes do destino final: Machu Picchu.
No topo, Richard me recebe com uma risada divertida e pergunta:
- Amigo Paulo, sabes como chamamos a esta escada? Matagringos!!
Penso com meus botões que o nome não podia ser mais adequado e que, sim, existe humor na trilha.
Em pouco tempo chegamos a Intipunku, de onde se avista a Cidade Sagrada dos Incas. São 16h00 e o sol começava a declinar, realçando a silhueta da cidadela entre as montanhas. Uma imagem e emoção inesquecíveis.
A partir de Intipunku a trilha se converte numa descida constante, oferecendo diversos pontos de onde se pode admirar Machu Picchu de cima. Devido ao horário, os visitantes estão de saída e a cidadela está vazia, como deve ter ficado por séculos até ser redescoberta no início do século XX.
A entrada em Machu Picchu se dará no dia seguinte, após um merecido repouso em Águas Calientes, mas isto já é uma outra história.
Alguns trechos da trilha preservam o calçamento original. |
A dificuldade fica por conta da altitude. O Posto de Controle de Chachabamba está a uns 2100m e Intipunku, o ponto mais alto, a 2700m acima do nível do mar, o que significa uma rampa de 14km de extensão com um desnível de 600m a ser vencido num ambiente de ar rarefeito. Para superar este desafio preparo físico é fundamental, mas a atitude mental não pode ser negligenciada. Com a fadiga pode vir o desânimo e se isto ocorrer será extremamente penoso concluir a jornada.
Ao longo do caminho há abrigos onde se pode fazer paradas técnicas para organizar o equipamento, reidratar e realizar lanches rápidos. É proibido comer ao longo da trilha, principalmente nos sítios arqueológicos, e também não se pode deixar nada para trás. Todo o lixo produzido deve ser levado para ser descartado no Posto de Controle de Machu Picchu.
Um dos abrigos existentes ao longo da trilha. |
Felizmente a paisagem ao redor se encarregava de nos distrair e motivar para seguir adiante. Neste dia o tempo estava firme e a temperatura amena, o que também favoreceu o sucesso da empreitada. Com algumas horas de marcha atingimos o sítio arqueológico de Wiñay Wayna, um impressionante centro de produção agrícola constituído por terraços que ocupam boa parte da montanha. Era daqui que os Incas tiravam o sustento da terra, aproveitando cada centímetro da encosta graças a esta admirável obra de engenharia.
Setor residencial de Wiñay Wayna, com terraços ao fundo. |
O complexo de Wiñay Wayna é monumental e sua altura equivale, aproximadamente, a um prédio de 15 andares. Digo isto porque para seguir na trilha é necessário subir por uma escada que conduz ao topo da construção, para de lá seguir adiante. Enquanto tomava fôlego num dos platôs intermediários, pude comprovar a dificuldade da subida observando membros de outros grupos. Realmente não é fácil.
Escadaria de Wiñay Wayna, um desafio a ser vencido. |
Enquanto descansava, também aproveitava para mascar algumas folhas de coca adquiridas na visita que fiz ao Mercado de San Pedro, uns dias antes. Estas folhas são consideradas medicinais e utilizadas diariamente pela população local. Seu efeito é imediato e são muito eficazes contra o soroche, o mal das alturas.
Sanduíche de abacate
Por volta das 13h45 atingimos o setor de acampamentos e aproveitamos para almoçar. Este setor é o último ponto de parada da Trilha Longa e a partir daqui as duas trilhas percorrem o mesmo caminho. Há uma área destinada às barracas, banheiros e chuveiros. Aqui se pode até cozinhar, mas nossa refeição foi leve e, para mim, diferente: sanduíches de abacate com tomates, queijo e presunto. Não sei se devido a fome, a habilidade do guia ou a altitude, mas estava uma delícia!Na saída do setor de acampamentos fica o Posto de Controle de Wiñay Wayna, última parada antes do destino final: Machu Picchu.
Bom humor é fundamental
Os quilômetros finais foram percorridos sem maiores incidentes. Após um trecho inicial de subida constante a trilha fica mais suave, alternando partes planas com aclives não muito acentuados. Pelo menos até chegar próximo a Intipunku, onde o último obstáculo a ser vencido é uma escadaria bastante íngreme, a qual escalei utilizando pés e mãos.No topo, Richard me recebe com uma risada divertida e pergunta:
- Amigo Paulo, sabes como chamamos a esta escada? Matagringos!!
Penso com meus botões que o nome não podia ser mais adequado e que, sim, existe humor na trilha.
Em pouco tempo chegamos a Intipunku, de onde se avista a Cidade Sagrada dos Incas. São 16h00 e o sol começava a declinar, realçando a silhueta da cidadela entre as montanhas. Uma imagem e emoção inesquecíveis.
Machu Picchu vista da trilha. |
A pose clássica com Machu Picchu ao fundo - foto de Richard Cerón. |
A partir de Intipunku a trilha se converte numa descida constante, oferecendo diversos pontos de onde se pode admirar Machu Picchu de cima. Devido ao horário, os visitantes estão de saída e a cidadela está vazia, como deve ter ficado por séculos até ser redescoberta no início do século XX.
A entrada em Machu Picchu se dará no dia seguinte, após um merecido repouso em Águas Calientes, mas isto já é uma outra história.
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Leia também o relato do primeiro dia: Cuzco - Peru e o artigo Cuzco, a versão cotidiana de uma cidade turística - Peru.
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