Como tudo começou
Era segunda-feira e o dia corria tranquilo enquanto aguardávamos o transporte que nos levaria a uma praia no município de Manacapuru, próximo a Manaus. Na véspera uma prima da Renata (integrante da equipe do blog), havia nos convidado para realizar este passeio, mas como já passava das 15h00 comecei a ficar apreensivo com a possibilidade de chegar lá com pouca luz.
Felizmente a prima não demorou muito e demos início ao deslocamento, seguindo em direção à Ponte do Rio Negro para então pegarmos a rodovia AM-070. A conversa a bordo era animada e o tema principal eram os atrativos da região. Lá pelas tantas, depois de rodar um bom trecho, nossa motorista perguntou meio de sopetão:
- Vocês já viram os botinhos de Novo Airão?!
- Ainda não! Respondemos em coro.
Na verdade, nós nunca tínhamos sequer ouvido falar em Novo Airão. Puxando pela memória lembrei de ter lido sobre um lugar onde os botos interagiam com os visitantes quando preparava o material para a viagem e me parecia que era próximo a Manaus. Por isso, quando ela quis saber se preferíamos ver os botinhos ou ir a praia a resposta veio pronta:
- Os botos, é claro!!
Boto Cor-de-rosa. |
Para quem não sabe, os rios da Amazônia são povoados por uma espécie muito peculiar de cetáceo, o Boto-Cor-de-Rosa. Trata-se de uma espécie única, encontrada somente na região e que se caracteriza pela coloração avermelhada da pele. São animais de comportamento social e pouco agressivos, que com frequência acompanham as embarcações saltando e fazendo evoluções. Com o ecoturismo em alta logo surgiu uma demanda pelo avistamento dos botos. Turistas do mundo inteiro querem conhecer a Amazônia e seus habitantes - e pagam bem para isso! -, criando assim um nicho de mercado voltado para roteiros que incluem o contato com animais da floresta, entre eles a visitação onde é possível brincar com os botos em seu ambiente natural.
É logo ali
Tomada a decisão, seguimos lépidos e fagueiros estrada afora confiantes que muito em breve estaríamos na água, brincando com os botinhos. Ledo engano ...
Depois de rodar por umas duas horas nossa motorista revelou que não conhecia a localização exata do flutuante e que não fazia ideia de que era tão longe. Como já passava das 17h00 comecei a pensar que não chegaríamos a tempo, uma vez que este tipo de atração costuma encerrar suas atividades ao final da tarde. Além disso, sempre é bom lembrar que estávamos na Amazônia. Ou seja, nesse ponto da viagem a paisagem era deserta, com a estrada cercada pela floresta. O ponteiro indicativo do combustível começava a baixar perigosamente e a probabilidade de encontrarmos um posto de combustível por ali era cada vez menor.
A certa altura avistamos um tronco caído na estrada, ocupando meia pista. Como não era muito grosso seguimos em frente sem desviar. Para nossa surpresa, com a aproximação do carro, o "galho" começou a se mover rapidamente tentando escapar, sem sucesso. Sentimos as rodas passando sobre a enorme cobra (possivelmente uma jovem sucuri) com receio de tê-la esmagado. Entretanto, olhando pelo retrovisor ainda pudemos vê-la seguindo em direção das árvores como se nada tivesse acontecido ...
Alguns quilômetros adiante outro "galho" na pista. Desta vez, mais preparados, desviamos e estacionamos o carro alguns metros adiante. Agora era uma papa-ovo de uns três metros de comprimento!
A papa-ovo de olho na lente. |
Durante o percurso paramos umas duas ou três vezes para perguntar o caminho e a que distância ficava Novo Airão. O caminho era aquele mesmo e para aqueles caboclos acostumados a medir distâncias com dimensões amazônicas Novo Airão era "logo ali"... Resumindo, a chegada se deu por volta das 18h30, depois de percorrermos 200 km de estrada. Nada mal para quem pretendia dar um pulinho na praia e voltar.
Contando os trocados
Nem preciso dizer que o Flutuante dos Botos já havia fechado há muito tempo e só iria reabrir no dia seguinte, por volta das 08h00 da manhã. Para compensar um pouco a frustração, restou a bela paisagem do anoitecer as margens do Rio Negro.
Cai a noite sobre o Rio Negro. |
Devido ao avançado da hora decidimos pernoitar na cidade para, no dia seguinte, visitar os botos e retornar a Manaus. O plano era simples, mas esbarrou num pequeno problema: em Novo Airão os estabelecimentos comerciais não aceitam cartões de débito ou crédito! E há apenas uma agência bancária, sendo que nós todos possuímos conta em outros bancos.
O jeito foi sacar as carteiras e ver quanto cada um tinha em dinheiro para então saber quanto se poderia gastar com hospedagem, jantar, café da manhã e gasolina. O valor dos ingressos para visitar os botos foi o primeiro a ser separado, pois não havia dúvidas sobre o quê era prioridade naquele momento. Afinal, viajar aquela distância e não ver os botinhos estava fora de questão.
Depois de percorrer todos os hotéis e pousadas disponíveis optamos pela Pousada da Lana onde o pernoite custava apenas R$ 40,00 o quarto. Estava longe de ser um cinco estrelas, mas os lençóis eram limpos, o colchão decente e o banheiro privativo.
Resolvida a questão do pernoite, passamos para a próxima tarefa: jantar. Esta foi fácil de resolver, uma vez que após percorrer praticamente todas as ruas da cidade em busca de pouso já sabíamos nos localizar e fomos direto numa lancheria com mesinhas ao ar livre. Foram três sanduíches de bom tamanho e um refrigerante litro por apenas R$ 24,00 - menos que o preço de uma refeição para uma pessoa no Rio de Janeiro.
Um dinossauro na praça
Aqui não há muitas opções de lazer e, como é comum em cidades do interior, a praça principal acaba servindo como ponto de encontro dos moradores. Como logo podemos descobrir, a noite nos reservava outras surpresas, sendo que a primeira foi avistar em plena praça a estátua de um enorme dinossauro!
O dinossauro que dá nome a praça. |
A silhueta daquele animal pré-histórico em uma praça no interior do Amazonas foi uma visão surpreendente, com uma pitada de surrealismo e algo divertido. Não encontramos uma explicação oficial para o fato, mas, de acordo com algumas versões, a estátua é uma referência aos sítios arqueológicos da região onde teriam sido encontrados vestígios de antigos animais. Diga-se de passagem que o lugar é conhecido como Praça do Dinossauro.
Enquanto fotografávamos o dino notamos uma forte movimentação de moradores e fomos conferir o que estava acontecendo. Era o pessoal da cidade se reunindo para ensaiar as apresentações que seriam feitas durante o Festival do Peixe Boi, evento que ocorre na cidade no final de dezembro de cada ano. O grupo estava afinado e a batida era forte e contagiante.
Bateria dos Moradores de Novo Airão. |
Será que valeu a pena?
Depois de uma noite tranquila só restava um item na agenda: visitar os tão famosos botinhos que nos haviam feito percorrer 200 km de estrada e viver a melhor parte da viagem numa aventura completamente inesperada. Se valeu a pena? É claro que sim. Não foi a primeira - e tomara que não tenha sido a última - vez que nos desviamos do planejamento original para descobrir que se perder é uma das melhores formas de encontrar novos caminhos.
Depois de um bom café com tapioca seguimos até as margens do Rio Negro onde o Flutuante aguardava os visitantes para a primeira sessão do dia, mas o relato desta visita é assunto para outra postagem!
Na manhã seguinte, o Flutuante aberto! |
Porque Novo Airão?
Quando ouvi falar em Novo Airão a primeira coisa que me veio a mente é o porquê da palavra Novo. Onde estaria Airão, a Velha, a cidade original? E o que teria acontecido com ela? Depois de algumas pesquisas, descobri no Portal Amazônia o seguinte:Acompanhe o desfecho desta aventura no post Flutuante dos Botos (clique aqui).A história da cidade começou no final do século 19, com um devastador ataque de formigas. O incidente aconteceu na comunidade de Airão Velho, hoje uma cidade fantasma. A invasão dos insetos ao município obrigou a população a se mudar para a outra margem do rio Negro. Airão Velho abriga hoje apenas ruínas de uma igreja, enquanto a nova sede se desenvolveu e é lar de 15 mil habitantes.
Veja estas e outras fotos em Abaretiba, nossa página no Facebook, no álbum Novo Airão - Amazonas (clique aqui).
Veja também estes outros posts sobre o Amazonas:
- Expedição Amazonas: a primeira viagem e as primeiras impressões;
- Catedral de Nossa Senhora da Conceição: um pouco da história da igreja matriz de Manaus;
- Flutuante dos botos: a conclusão da aventura;
- O estranho caso da velha que explodiu: história contada pelo povo de Manaus - incluí um glossário manauara;
- Causos de viagem : a caldeirada de peixe: no meio da mata não tem supermercado;
- De Manaus a Varre Vento de barco pelo rio Amazonas: relato da viagem de barco que nos levou à floresta amazônica - e trouxe de volta!
Fonte:
PORTAL AMAZÔNIA. Novo Airão, lar de riquezas naturais no coração da Amazônia. Manaus, 24 set. 2011. Disponível emhttp://www.portalamazonia.com.br/cultura/turismo/novo-airao-lar-de-riquezas-naturais-no-coracao-da-amazonia/. Acessado em 16 jan. 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário